quarta-feira, 7 de março de 2012

O QUE É ISSO PAI?

Estava no meu escritório preparando um material para uma palestra que daria no dia seguinte, um encontro em que eu queria falar sobre o envelhecimento precoce das ferramentas tecnológicas. Para isso preparei duas caixas, uma com livros antigos e novos, e outra com aparelhagens e objetos que fui resgatando no meu escritório: disquetes rígidos, bip(s), máquina fotográfica de 1.2 megapixel... Quando estava colocando meu antigo walkman e uma fita cassete na caixa, a porta do meu escritório se abriu e a minha filha de 7 anos perguntou: “O que é isso, pai?”.
Ela ficou maravilhada com o walkman e a fita, e queria porque queria ouvir o som daquilo. Primeira sensação básica: estamos envelhecendo, nossos filhos não conhecem objetos que faziam parte do nosso cotidiano e que eram, na época, tecnologia de ponta! Fui tentar colocar a fita, ela não funcionava, tentei achar outro aparelho que fizesse o arquivo musical ser reproduzido, sem sucesso também. Segunda sensação, frustração. Não poder reproduzir arquivos porque os suportes estão obsoletos.
Minha filha não desistiu, olhou o disquete rígido, pediu explicação e queria ver onde colocava, e novamente não encontrei nos meus computadores de mesa e portátil um buraco para colocar o disquete. A reflexão que faria no dia seguinte na minha palestra já acontecia previamente na minha casa.
Você pode nesse instante estar lendo essas minhas mal traçadas linhas no seu tablet, mas sinto muito informar-lhe: daqui a dois anos (estou sendo generoso) você achará tal maravilhosa engenhoca obsoleta. Tenho acompanhado amigos angustiados, de verdade, com o lançamento do mais novo iPad, mais fino, câmeras etc. E agora? O que fazer com o antigo de um ano atrás!?
Que tecnologia é essa que cria suportes tão efêmeros, que não conseguem reproduzir mais conteúdos de outros suportes? Que tecnologia é essa que, em vez de criar facilidades, nos aprisiona num redemoinho de ansiedades por comprar sempre a última novidade, e que depois de poucos meses (daqui a pouco serão dias), já nos faz sentir como se fôssemos neandertais tecnológicos, obrigando-nos a adquirir novamente o novo?
Minha filha, então, olhou para a outra caixa, curiosa como ela só – queria saber o que tinha dentro. Na caixa anterior ela precisou de legendas do pai para compreender o que era tudo aquilo. Abri a segunda caixa e tirei um livro de 1930 e mostrei pra ela: “Ah, pai, isso é fácil, é um livro, né. Do que ele fala?”.
Isso sim é alta tecnologia! Um suporte que consegue manter seu conteúdo intacto por décadas, séculos e até, em raros casos, milênios, e que uma criança de 7 anos do século 21 identifica e pode decifrá-lo, sem a necessidade de baixar a última versão.
Umberto Eco, intelectual italiano, disse que o martelo, a roda e a tesoura, uma vez inventados, não necessitavam mais de aprimoramento. Eram objetos perfeitos, que podiam ser mais embelezados, mas sua função e utilidade sempre serão de última geração: bater prego, deslocar objetos e pessoas e cortar coisas. Tal pensador coloca o livro nessa mesma perspectiva.

(Texto de Ilan Brenman doutor em educação e um dos principais escritores de literatura infantil do Brasil, é pai de Lis, 7 anos, e Iris, 4)

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