A questão da chamada depressão - diagnóstico que se tornou uma epidemia para nomear certos sintomas contemporâneos - é que ela não é um problema de falta, como tem se pensado. As depressões, ao contrário, são resultado dos excessos do nosso tempo. Excesso de trabalho, de pressão, de competitividade, de consumo, de informações, de exigência de performances, de reparos estéticos, de dietas, de variedades sexuais, de drogas (legais ou não), de diagnósticos e medicamentos, e opções de gozo. O deprimido é aquele que, diante de tantos excessos, decide pela paralisia subjetiva, pela recusa ao mundo - pelo menos, esse tipo de mundo.
Vejam bem a função dos medicamentos indicados para a depressão. Eles, de certo modo, forçam o sujeito a sair dessa negatividade diante do mundo. Prometem ao sujeito animação e disposição para o trabalho, para o lazer, para os cuidados pessoais, para a vida social, ou seja, para o consumo. O medicamento promete "bombar" a vontade do sujeito, quando o que lhe falta é desejo.
Vejam ainda o que o cristianismo contemporâneo tem oferecido como promessa de salvação, por meio da chamada teologia da prosperidade. Devastado pela sua recusa, rejeição ou inadequação a esse mundo, que esbanja mercadoria e nega afeto, cuidado e laço, o "novo cristianismo" oferece ao crente, por exemplo, um carro com o adesivo: "foi Deus que me deu". Aceitar Jesus, nesse caso, é aceitar fazer parte do mundo capitalista e seu deus Mercado. Tal como no uso da medicação, o sujeito apenas se adapta melhor à máquina capitalista de moer, e sofre menos, obviamente.
Resumindo, a forma como, em geral, se tratam as depressões, levam o sujeito a acreditar que é ele quem está em déficit com este mundo. Que é ele o chato, mal humorado que não está sabendo aproveitar o parque de diversões da existência, que tem um shopping bem ao lado.
Pois eu digo que o que eu escuto dos "deprimidos" diariamente, só me faz pensar que eles não são o problema, mas parte da solução. Os deprimidos são um aviso de que estamos indo na direção errada, de que não pode haver vida saudável, ou mesmo possível, num mundo em que a prateleira de mercadorias se tornou mais importante que as pessoas e os afetos. Suponho que, tal como construimos rampas de acessibilidade para cadeirantes, devíamos começar pensar num mundo adaptado e acessível aos deprimidos. Um mundo dedicado às gentes, e não às coisas e ao Mercado.
Dizem que a depressão é o "mal do século". A meu ver, o capitalismo neoliberal é o mal do século, e as depressões são a resistência psíquica esse modelo econômico.
Portanto,
Deprimidos do mundo, uni-vos!
(Rita Almeida)
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