sexta-feira, 6 de julho de 2018

Coisas de Aimée - Amilton Bueno de Carvalho

Uma das muitas histórias que me fizeram chorar quando juiz. Mário (nome fictício) era jovem, pobre e negro (novidade não?).

Preso em flagrante por tentativa de furto num grande supermercado, foi concedida liberdade provisória. Passados uns meses, novo flagrante pelo mesmo delito. Preventiva decretada (a desgraçada inconstitucional prisão em garantia da ordem pública - por favor, leiam o Tourinho sobre o tema). Denunciado, o processo veio a mim e decretei sua soltura.

Passados uns dias, veio falar comigo. Falou que passava fome, seria melhor ficar na cadeia e que durante o tempo que o deixaram no presídio tinha sido "comido e contaminado com aids".

Algum tempo depois veio aos autos sua certidão de óbito para decretar a extinção da punibilidade - era ainda tempos em que não havia medicação que hoje existe: tudo era rápido.

A pena por duas tentativas de furto foi a de morte para o jovem pobre e negro.

Relembrei a história (Nietz diz que tudo que entra na nossa economia psíquica lá fica para sempre) durante aula no pós da UPF no sábado passado: a voz voltou a embargar - a culpa também não nos abandona, embora a gente não a tenha!


(Cândido Portinari)

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