"Desde esse dia, cada instante de minha vida adquiriu para mim o sabor de novidade de
um dom absolutamente inefável. Assim vivi numa quase perpétua estupefação apaixonada.
Alcançava muito depressa a embriaguez e
comprazia-me em andar numa espécie de aturdimento.
Por certo quis beijar tudo o que encontrei de riso nos lábios;
quis beber o que encontrei de sangue nas faces, de lágrimas nos olhos;
e morder a polpa de todos os frutos que dos galhos se inclinaram para mim.
Em cada albergue uma fome me saudava; diante de cada fonte uma sede me esperava
- uma sede particular diante de cada uma -
e almejara outras palavras para marcar meus outros desejos de marcha,
onde se abria uma estrada;
de repouso, onde me convidava a sombra;
de nado, à margem das águas profundas;
de amor ou de sono ao pé de cada leito.
Botei intrepidamente a mão em todas as coisas e
acreditei ter direitos sobre cada objeto de meus desejos.
(Demais, o que almejamos, Nathanael, não é tanto a posse, é o amor.)
Que toda coisa se irise diante de mim!
Que toda beleza se revista e se matize de meu amor."
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