terça-feira, 30 de agosto de 2016

Tati Bernardi

Já terminei namoro toda misteriosona por mensagem de texto: "Pra que falar o que já sabemos em silêncio?". Já terminaram comigo por "inbox": "Tô tão mal que não consigo nem te ligar". Teve também um figuraça que terminou comigo fazendo um post aberto no Facebook: "Nossa, depois de ontem, acho que vou casar" (só que ele estava em outra cidade). As muitas formas tecnológicas de comunicação são refúgios estupendos para os covardes. A gente manda o recado sem que ninguém nos veja aos prantos, nadando numa piscina facial de muco ou, pior, escrevendo linhas dolorosas enquanto pausa o "Mad Men" e pega mais um pedaço de quiché –pouco se importando com mais um naufrágio amoroso (flerto com esses dois polos –quase morrer ou nem sequer bocejar – por toda uma existência).
Pois eu sou pelos covardes. Acho terminar ao vivo a maior das crueldades: coisa de gente egoica, sádica, leoninos com ascendente em touro. Se o seu ex ou a sua última "moreca" mandaram um "fui" pela internet, melhor pra você, pra ele e até para os ursos polares. Dói, mas, sinceramente? Doeria de qualquer jeito. Quanto mais rápido puxarem o emplastro do seu peito, melhor.
Fim de amor não é coisa para se discutir em um jantar. "Eu vou querer essa lasanha vegetariana e que você tire todas as roupas do meu armário". "Ah, já eu vou querer esse risoto carbonara e que você morra queimada". "Pensando bem, eu vou querer só uma saladinha, porque eu vou ficar bem gostosa e passar o rodo nos seus amigos". Encerrar uma relação não é coisa que mereça "uma saída". Tem gente (eu fico besta!) que se arruma inteira, passa perfume, bota calcinha nova, se depila, pra chegar na frente do cara e falar "cabô". Filha, até a burocracia brasileira, das piores do universo, já teve a ideia do Poupatempo. Se você acha e-mail algo frio demais (no caso de um bem escrito e honesto, acho das coisas mais íntimas do mundo), o telefone se presta maravilhosamente a esse tão recorrente serviço de cancelamento.
Certa feita, um namoradinho muito metido a macho resolveu declamar em tempo real e a cores exatamente o que eu já tinha ouvido de outros tantos menos metidos a machos. As frases eram aquele desfile intragável de clichês: "Você é tão incrível que faz eu me sentir pouco homem", "você é muito independente, me sinto um inútil ao seu lado" e ainda (a mais clássica e a única que acredito) "você piora a minha angústia, preciso de uma anta ao meu lado, que saiba meu queijo branco preferido em vez de me trazer questões profundas".
Ele pediu vinho caro, foi com a camisa que eu mais gostava, marcou no "nosso" restaurante, chorou, falou sobre uma "coleção de CDs de jazz" eternamente guardada ainda com o plastiquinho da embalagem, porque ele lidava mal em "abrir espaço para belezas, pois precisava sobreviver nessa selva de pedras" e blá-blá-blá. Por Deus, eu fui achando que ele ia dizer algo como "desculpa aí o sumiço de 15 dias, andei trabalhando demais, mas agora passou, partiu transar?" (eu vivia "trabalhando demais" nesse mesmo trabalho dele e entendia como funcionavam as coisas, tava tudo certo), mas não. Ele queria o palco. Ele queria ar-condicionado com ventinho nas madeixas, luzes taciturnas para o derradeiro momento em que ele seguraria a minha mão e me avisaria, do alto de sua cadeira de rei do mundo, que eu não havia sido a cortesã escolhida. Trilha dramática, lente grande-angular em minhas massacradas pupilas. Ai, que preguiça! O vaidoso busca o tempo todo ser a melhor pessoa do mundo para o outro, mas nada disso tem a ver com o outro. Já o covarde, humilde e boa gente, nos brinda, sem receio, com sua insignificância.


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