terça-feira, 1 de julho de 2014

Talvez quem vê bem não sirva para sentir


Talvez quem vê bem não sirva para sentir 
E não agrada por estar muito antes das maneiras. 
É preciso ter modos para todas as coisas, 
E cada coisa tem o seu modo, e o amor também. 
Quem tem o modo de ver os campos pelas ervas 
Não deve ter a cegueira que faz fazer sentir. 
Amei, e não fui amado, o que só vi no fim, 
Porque não se é amado como se nasce mas como acontece. 
Ela continua tão bonita de cabelo e boca como dantes, 
E eu continuo como era dantes, sozinho no campo. 
Como se tivesse estado de cabeça baixa, 
Penso isto, e fico de cabeça alta 
E o dourado sol seca a vontade de lágrimas que não posso deixar de ter. 
Como o campo é vasto e o amor interior...! 
Olho, e esqueço, como seca onde foi água e nas árvores desfolha. 

(Alberto Caeiro, in "O Pastor Amoroso" - Heterónimo de Fernando Pessoa)

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